TRADICIONALIS

Este Blog pretende ser um espaço onde se trocam impressões e ideias sobre o património cultural português e qual a melhor forma de o preservar. A música e os instrumentos musicais, em especial os cordofones, terão aqui um espaço privilegiado.

23 outubro 2005

A FEIRA

Como já esperava de instrumentos portugueses nem cheiro. A honra aos nossos instrumentos foi feita por dois parentes, um cavaquinho brasileiro e um ukelele que se podiam observar no stand da RoadCrew. Embora a Lismúsica seja uma das poucas firmas que possui na sua loja em Lisboa os nossos instrumentos, não levou nenhum para a feira, porquê ? francamente não percebi.

Talvez seja a falta de confiança dos vendedores associada ao desinteresse por parte dos compradores que origina este marasmo a que chegou aquilo que é nosso. É necessário e urgente uma mudança de atitude.

Os nossos instrumentos típicos (cavaquinho, braguesa, beiroa, amarantina, campaniça e toeira) são construídos, desde sempre, tendo o tampo um tratamento mínimo, ou a madeira é crua ou leva uma camada ligeira de cera de abelha ou goma-laca. Este tipo de acabamento permite ao instrumento ter uma sonoridade muito particular associada a uma projecção de som digna de realce. A Seagul, uma marca canadiana, e a Tacoma, uma marca americana de guitarras já estão a utilizar este tipo de acabamento. Provavelmente já registaram a patente. Nós continuamos a chuchar no dedo.

Quanto à feira, francamente foi a mais fraca e mais mal organizada que vi até hoje. Dada, provavelmente, a escassez dos expositores todos, os instrumentos musicais, os PAs, os palcos, a venda de discos e os concertos, foram remetidos para um único pavilhão. Esta completa mistela de sons tornava impossível ter a noção do som dos instrumentos.

Esperemos que na próxima, em 2007, a coisa esteja melhor organizada.

14 outubro 2005

MUSICÁLIA

Para quem se interessa por estas coisas da música vale a pena lembrar que de 20 a 23 de Outubro, entre as 15h e as 23h se realiza na F.I.L. – Parque das Nações a MUSICÁLIA - Feira da Música. É um evento que ocorre de dois em dois anos em Lisboa e onde são apresentados ao público as últimas novidades no que diz respeito à Musica, Som, Luz e Audiovisuais.
É uma oportunidade para ver os instrumentos musicais que se fazem lá fora. Sim porque de certeza que não vamos lá ver nenhum cavaquinho ou braguesa.

Gostava de estar enganado......

12 outubro 2005

13º ENCONTRO DE MUSICOLOGIA

Vai ter lugar, nos próximos dias 21 e 22 de Outubro, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa, Av. de Berna 26 C, Torre II, em Lisboa o 13º ENCONTRO DE MUSICOLOGIA, com o tema OS ESPAÇOS DA MÚSICA, promovido pela Associação Portuguesa de Ciências Musicais com o Apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (UNL).
O programa está disponível em www.apcm.fcsh.unl.pt

07 outubro 2005

MÚSICA TRADICIONAL - 2. AS ORIGENS E A DIVULGAÇÃO

As origens da nossa tradição musical perdem-se nos tempos, a sua maior virtude é o tipo de vocalização utilizada: a polifonia a duas ou mais vozes que terá tido origem nos cantos litúrgicos da Igreja Católica
O nosso folclore é de uma riqueza musical que se associa à forma como ele é executado em que a alegria é uma constante, especialmente no norte (Minho e Douro) pois essa é a forma com ele é constantemente divulgado. Existe , no entanto, uma vertente mais comedida que está especialmente associada ao trabalho agrícola e ao culto da Igreja. No entanto é também associada ao culto, nas romarias, que esta riqueza musical é divulgada publicamente em ambiente festivo. A caracterização etno-musical profunda das várias províncias é extremamente complexa na medida em que há géneros musicais que são comuns a todo o país.

A mecanização crescente das tarefas agrícolas tem provocado um decréscimo na base funcional dos cantos de trabalho. A rádio e a televisão vão impondo, por outro lado, outras formas musicais quer na cidade quer no meio rural, dando cada vez menos importância às formas tradicionais de expressão musical.

Em meados do século XX o Estado Novo vai dar relevo aos ranchos folclóricos, tendo por finalidade a mostra da cultura tradicional. Mais tarde, o movimento cultural e de recolha iniciado por Jorge Dias e a sua equipa, que tinha por objectivo reconhecer a diversidade do País, apoiam-se no modelo anteriormente delineado por Orlando Ribeiro, e tentam sistematizar a diversidade dos vários elementos da cultura popular.

Com o surgimento dos denominados etnógrafos de esquerda, é proposta uma nova imagem de diversidade do país. Dá-se importância a um olhar na cultura que se projecta no futuro. O ponto fulcral era realçar as potencialidades nacionalistas da cultura popular. Após esta fase de recolha importante surgiu um período de estagnação onde, inclusivamente, houve quem defendesse que o importante da cultura era o que restava nos ranchos folclóricos, relegando para segundo plano ou até mesmo ignorando a forma e o contexto em que tudo aquilo foi criado. São criados nos anos 50, durante a vigência do Estado Novo, alguns esterótipos culturais puramente artificiais, que ignoraram origens musicais para tentar criar algo de novo, algo de mais típico e pitoresco, à semelhança do que já tinha acontecido com o fado.

03 outubro 2005

MÚSICA TRADICONAL - 1. A PESQUISA E AS RECOLHAS

A música tradicional portuguesa tem sido desde o princípio do século XX objecto de um estudo e de uma pesquisa etno-musical das suas raízes. O início das recolhas musicais em registo fonográfico remonta a 1929. Kurt Schlinder,( 1882-1935) um alemão naturalizado americano, realizou um estudo sobre a música ibérica. A sua recolha, publicada em 1941, após a sua morte, incluía música portuguesa. Depois outros fizeram recolhas de forma a tentar preservar o que há de rico na tradição musical portuguesa de índole popular. De destacar os nomes de Armando Leça (autor do primeiro levantamento etno-musical em 1939/40), Artur Santos, Virgílio Pereira, Jorge Dias, Lopes-Graça, Michel Giacometti e José Alberto Sardinha. Virgílio Pereira foi o responsável pela cancioneiro de Arouca, aquele que é, para muitos historiadores, a melhor recolha da música do Douro Litoral. O trabalho de fundo realizado nos anos sessenta através da recolha de Giacometti e Lopes-Graça, posteriormente editado comercialmente, teve grande importância na divulgação das nossas raízes musicais e foi o ponto impulsionador para o surgimento no pós 25 de Abril de alguns grupos de divulgação da “nossa” música como, por exemplo, a Brigada Victor Jara e a Ronda dos Quatro Caminhos. No campo da investigação e pesquisa das nossas raízes musicais surge no final dos anos setenta José Alberto Sardinha que, até aos nossos dias, tem proporcionado aos interessados por estas lides um invejável conjunto de publicações

MÚSICA TRADICONAL / MÚSICA POPULAR

No passado dia 25 de Setembro publiquei neste blog um texto com o título "Música Popular, Música Tradicional". Porque há coisas que é uma pena ficarem fechadas na gaveta, neste caso nos comentários, resolvi colocar como artigo de "1ª pagina" a discussão que gerou o referido texto.

25 Setembro 2005 , 9.02, Sérgio Fonseca
MÚSICA POPULAR, MÚSICA TRADICIONAL

As referências à música popular e à música tradicional confundem-se por vezes. Se a música popular é aquela que o povo adopta num determinado momento, a música tradicional é algo muito mais importante, já que tem a ver com a música que, para além de adoptada pelo povo, não só não é esquecida como é transmitida oralmente de geração em geração transformando-a assim numa herança cultural e em património do povo. A designação tradição oral deste género musical tem, exactamente, a ver com a transmissão oral de uma música que, muitas vezes, não está escrita e cujo nome do autor se perdeu ao longo de gerações. Já no que diz respeito aos instrumentos musicais a designação popular ou tradicional não está delimitada por quaisquer diferenças.

28 Setembro, 2005 12:19, João Pedro
Amigo Sérgio. Vamos lá a afinar esses conceitos. Não é que eu discorde das definições propostas mas a expressão "a música tradicional é algo de MUITO MAIS IMPORTANTE..." pode dar a ideia de que existe um preconceito favorável a esse tipo de música.
O que é que determina a IMPORTÂNCIA de uma coisa ou acontecimento ? Será uma música tradicional, conhecida apenas numa aldeia perdida da Beira Alta,
culturalmente mais importante do que o Yellow Submarine ? Ou o Yellow Submarine também é música tradicional, património do povo global em que nos tornámos ?
Pensa e depois me dirás.

28 Setembro, 2005 17:03, Sérgio Fonseca
Caro João Pedro. Para mim, no que diz respeito ao património cultural português, sem dúvida que é muito mais importante uma música tradicional conhecida apenas numa aldeia da Beira Alta que o Yellow Submarine, uma das 204 músicas dos Beatles que foi gravada pelo menos por 15 artistas diferentes, que possui duas particularidades: uma é o facto de ter sido um dos dois sucessos dos Beatles a que Ringo Starr deu voz (o outro foi "With a Little Help from my Friends"), a outra particularidade é que foi uma das duas músicas que aparece em dois discos de originais dos Beatles "Revolver"(1966) e "Yellow Submarine" (1969) (a outra música foi "All you Need is Love").
O problema que aqui se põe é com a desertificação progressiva que tem sido uma constante nas nossas aldeias há um património que se está a perder ou, se calhar, já se perdeu. Provavelmente haverá quem em Portugal esteja mais interessado em gravar mais uma versão do "Yellow Submarine" que uma canção tradicional da Beira Baixa.
Um abraço e manda sempre. Sérgio Fonseca

28 Setembro, 2005 22:10, João Pedro.
Amigo Sérgio. Vejo que já começas a afinar os conceitos. Quando escreveste
"a música tradicional é algo de muito mais importante..." querias dizer "a música tradicional é, PARA MIM, algo de muio mais importante..." Assim está melhor. Não concordo contigo, mas também não tem que haver unanimismo. Um abraço - João Pedro

29 Setembro, 2005 09:27, Zé Paulo
É interessante e curiosa a discussão e revela a "sensibilidade etnográfica" do nosso amigo Sérgio, que, ao que parece, se sobrepõe de algum modo à sua "sensibilidade musical geral" (chamemos-lhe assim...), o que não deixa de ser curioso, num músico. Mas é a força dos 4 anos de antropologia, somados à já vasta experiência etnomusicológica...

29 Setembro, 2005 16:12, João Pedro.
Inteiramente de acordo com a análise do Zé Paulo. Os antropólogos tendem geralmente a considerar importantíssimas as culturas e formas de organização social que caminham para o desaparecimento. E, também, aquilo que é raro ou exclusivo. Por isso, como bom antropólogo que é, o nosso amigo Sérgio diz que "é muito mais importante uma música tradicional conhecida apenas numa aldeia da Beira Alta que o Yellow Submarine, uma
das 204 músicas dos Beatles que foi gravada pelo menos por 15 artistas diferentes".
Será assim ? O conceito de importância só é válido dentro de uma determinada série de acontecimentos.
Quanto ao chamado "património", bom... na verdade tudo é "património", e nem seria possível a renovação cultural, a aquisição e novas formas, sem uma constante perda de fatias dos "patrimónios".
Uma das formas de "salvar" o património é abdicar do purismo estrito e procurar incorporá-lo em formas de expressão modernas (sejam urbanas ou não). João Pedro

30 Setembro, 2005 02:56, Sérgio Fonseca
A questão, para mim, não está só em tentar preservar aquilo que está a desaparecer mas também em defender aquilo que é nosso.
Pegando nos Beatles. Paul McCartney esteve uma vez na Penina, no final dos anos 60, e numa noite sentou-se ao piano no bar do hotel e começou a improvisar uma música a que chamou “Penina”. Essa música que, francamente, é muito fraca foi gravada pela banda Jotta Herre (banda do hotel), por Carlos Mendes, etc vendeu “à brava”. Porquê ?.... Se ao mesmo tempo fosse colocado à venda um tema inédito como por exemplo o “Bailinho da Madeira” qual acham que vendia mais ?
Em Portugal temos muito boa música e muitos bons músicos. Infelizmente nem a música tem o relevo que devia nem os músicos a projecção que merecem. Nuno Bettencourt, açoreano, guitarrista dos Extreme foi nos E.U.A. considerado no final dos anos 90 o guitarrista do ano, um dos melhores do mundo. Quando lhe perguntaram o que achava que seria a sua vida se tivesse ficado nos Açores respondeu: “Se calhar estava num monte a guardar vacas”.
Temos em Portugal, especialmente na música, o péssimo hábito de depreciar aquilo que temos e que fazemos e dar um valor, por vezes excessivo ao que vem de fora.
Como é do conhecimento geral nos anos 60 foi feita uma recolha da música tradicional por Michel Giacometti. Essa recolha gravada em fita de arrasto deu origem a uma colectânea de 6 LPs e o resto foi remetido para as caves de um museu. Muitos e muitos anos mais tarde houve alguém que teve a feliz ideia de digitalizar o que podia ser digitalizado dessa recolha, mas muita coisa se perdeu.
Amigo João, como tive ocasião de demonstrar no meu concerto do ano passado no MNE, existem muitas músicas inspiradas noutras e algumas são uma pura e simples cópia. Ainda ontem estava a ver um documentário sobre os Deep Purple e o guitarrista Ritchie Blackmore dizia que o riff de abertura do tema “Pictures of home” tinha sido inspirado numa música tradicional búlgara que tinha ouvido na rádio. Quem é que me diz que o Yellow Submarine não foi inspirado numa musica tradicional de uma aldeia nos confins de Inglaterra….
Quem havia de dizer que um pequeno texto de 10 linhas ia dar tanta discussão. Mas estou a gostar. Mandem mais e mandem sempre. Obrigado e um abraço. Sérgio Fonseca

02 Outubro, 2005 14:25, João Pedro
Sérgio
Acho que há aqui várias coisas misturadas: a qualidade musical, o espírito nacional, a cultura de massas, etc. Vamos tentar clarificar?
O sucesso não é necessariamente uma consequência da qualidade intrínseca da coisa, mas o resultado de muitos factores (como a sorte, a fama, o marketing, e por aí fora).
Deixa-me exemplificar com um caso que todos conhecemos: em 1964 o primeiro LP de Simon & Garfunkel incluía uma música intitulada Sound of Silence, tocada apenas com uma guitarra folk. O LP era bom mas foi relativamente ignorado.
No ano seguinte, no segundo LP do duo, lá se incluía outra vez o Sound of Silence, agora arranjado de outro modo, com bateria, um baixo, mais guitarras. Foi um sucesso estrondoso e, a par de outras músicas, como Homeward Bound ou Richard Cory, lançou Simon & Gafunkel para a fama (merecida, aqui para nós).
O que mudara de 1964 para 1965? Mudara o arranjo da música e, sobretudo, mudaram os tempos e os padrões de gosto. A qualidade intrínseca da coisa era a mesma.
Para o que se discute, não interessa muito a qualidade intrínseca de "Penina" ou do "Bailinho da Madeira". O que importa é que uma foi criada por um ídolo à escala planetária, como era Paul McCartney e é esse o caminho do sucesso, do conhecimento público e, eventualmente, da imortalidade.
Chama-se a isto difusão cultural. (aquilo que adoptamos e recusamos obedece a mecanismos engraçados; lembra-me, depois, para te falar dos macacos de Kyushu).
O exemplo que dás de muitas músicas inspiradas noutras é esclarecedor. O facto de Ritchie Blackmore se ter inspirado numa música tradicional búlgara, tornou esse excerto conhecido. Se o Blackmore não lhe tem pegado, continuaria esquecido nos vales e montanhas da Transilvânia. Será, talvez, injusto, mas é assim.
E porquê? Muito simplesmente porque não temos possibilidade de conhecer tudo o que se produz e produziu no mundo, apenas o que, através de várias circunstâncias e acasos chega até nós e de uma forma que, em cada momento, seja aceitável e nos seja agradável. O tempo, a sensibilidade e o gosto é que são determinantes.
Um último exemplo (antes de ir almoçar). Já pensaste qual teria sido a importância de Cristo no século I ? Era irrelevante. Mas dois séculos depois, a sua doutrina (que era intrínsecamente a mesma) gerara um movimento importantíssimo e era adoptada por uma multidão. O mesmo pode dizer-se de uma infinidade de personagens e de obras. Marx foi muito menos importante na sua época do que depois de morto.
A questão do nacionalismo fica para segundas núpcias.Um abraço. João Pedro