TRADICIONALIS

Este Blog pretende ser um espaço onde se trocam impressões e ideias sobre o património cultural português e qual a melhor forma de o preservar. A música e os instrumentos musicais, em especial os cordofones, terão aqui um espaço privilegiado.

17 abril 2006

MITO E MÚSICA

“Foi só quando o pensamento mitológico passou para segundo plano no pensamento ocidental da Renascença e do século XVIII, que começaram a aparecer as primeiras novelas, em vez de histórias ainda elaboradas segundo o modelo da mitologia. E foi precisamente por essa altura que testemunhámos o aparecimento dos grandes estilos musicais, característicos do século XVII e, principalmente, dos séculos XVIII e XIX. Foi como se a música mudasse completamente a sua forma tradicional para se apossar da função – função intelectual e também emotiva – que o pensamento mitológico abandonou mais ou menos nessa época.” (Lévi-Strauss, 1978:68-69)

“Talvez sejam suficientes estes exemplos para explicar a similaridade de método entre a análise do mito e a composição da música. Quando ouvimos música, estamos a ouvir, afinal de contas algo que vai de um ponto inicial para um termo final e que se desenvolve através do tempo. Ouçam uma sinfonia: uma sinfonia tem um princípio, um meio e um fim; contudo nunca se entenderá nada da sinfonia nem se conseguirá ter prazer em escutá-la se se for incapaz de relacionar, a cada passo, o que antes se escutou com o que se está a escutar, mantendo a consciência da totalidade da música. (...) Há, pois, uma espécie de reconstrução contínua que se desenvolve na mente do ouvinte da música ou de uma história mitológica. Não se trata apenas de uma similaridade global. É exactamente como se, ao inventar as formas musicais específicas, a música só redescobrisse estruturas que já existiam a nível mitológico.” (Lévi-Strauss, 1978:71-72)
No entanto é o próprio Lévi-Strauss que admite em Mito e Significado que embora tenha dado nas suas Mytologiques um carácter de uma forma musical a cada um dos seus capítulos, encontrou uma equivalência estrutural num mito mas não em nenhuma sinfonia conhecida. Essa lacuna viria a ser preenchida pelo seu amigo e compositor René Leibowitz.

Lévi-Strauss estabelece uma tabela de equivalências para a linguagem, mitologia e música, pois “se tentar-mos entender a relação entre linguagem, mito e música, só o podemos fazer utilizando a linguagem como ponto de partida, podendo-se demonstrar que a música, por um lado e a mitologia, por outro, têm origem na linguagem mas que ambas as formas se desenvolveram separadamente e em diferentes direcções: a música destaca os aspectos do som já presentes na linguagem, enquanto a mitologia sublinha o aspecto do sentido, o aspecto do significado que também está profundamente presente na linguagem.” (Lévi-Strauss, 1978:75)

................Linguagem....Mitologia....Música
Fonemas.........Sim............Não..........Sim
Palavras...........Sim............Sim..........Não
Frases.............Sim............Sim..........Sim


Lévi Strauss que em textos de 1978 ao referir-se às suas convicções utiliza o passado deixando em aberto quais são as suas convicções, no que diz respeito a este tema, no presente .“Relativamente ao aspecto da similaridade, a minha convicção era que, tal como sucede numa partitura musical, é impossível compreender um mito como uma sequência contínua. (...) O significado básico do mito não está ligado à sequência de acontecimentos, mas antes, se assim se pode dizer, a grupos de acontecimentos. (...)Temos que perceber que cada página é uma totalidade. E só considerando o mito como se fosse uma partitura orquestral, escrita frase por frase, é que o podemos entender como uma totalidade, e extrair o seu significado. (1978:67-68)

No seu livro Olhar Ouvir Ler de 1995 Lévi-Strauss no capítulo denominado As palavras e a música estabelece uma nova relação entre a linguística e a música a partir de textos importantes mas muito datados com são os de Michel-Paul-Guy de Chabanon (1730-1792) A meu ver Lévi-Strauss tece considerações muito discutíveis sobre a forma da música e que só demonstram um desconhecimento profundo sobre o que já na altura da publicação deste livro era possível fazer em termos da utilização e produção de novas sonoridades como, só para dar um exemplo, a utilização do Sampler. Mas isto dava pano para mangas e uma discussão destas não cabe num artigo que se quer conciso.

BIBLIOGRAFIA

Lévi-Strauss, Claude, 1978, Mito e Significado, Edições 70, Lisboa, 1981

Lévi-Strauss, Claude, 1993, Olhar Ouvir e Ler, Edições Asa, Porto, 1995